Efe(Efe)

Ignacio Morgado, coordenador de uma coleção sobre neurociência e autor de ensaios sobre o assunto, é catedrático de Psicobiologia e pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Ganhador de vários prêmios de divulgação científica, realizou estudos e trabalhos de pesquisa nas universidades de Rhur (Alemanha) e Oxford (Reino Unido), assim como passou um período no Instituto Tecnológico da Califórnia (EUA).

O cérebro através dos tempos


- Houve muitos erros na História sobre a função do cérebro humano?
- Sim. Os egípcios extraíam o cérebro pelo nariz dos cadáveres que embalsamavam porque o consideravam um órgão supérfluo e até Aristóteles encontrou motivos para localizar os processos mentais erroneamente no coração. Inclusive o filósofo racionalista francês René Descartes, já no século XVII, achava que a mente (ou alma) era algo alheio ao corpo.

- Qual foi o motivo de você ter se aprofundado no misterioso cérebro humano?
- Porque me parece que não existe nenhum ensaio corajoso sobre estes temas. Comecei a escrever um livro de divulgação que fosse válido, tanto para meus alunos da universidade como para o grande público interessado neste assunto.

- E daí foi um passo para a Psicobiologia, da qual o senhor é catedrático?
- Ela é uma ciência que está entre o cérebro e o comportamento humano.

- Que temas divulga em seu ensaio?
- Explico o fenômeno da consciência, seus conteúdos e os mecanismos cerebrais que a tornam possível. Exploro as características de todos e cada um de nossos sentidos e descrevo o modo em que o cérebro recebe e processa a informação.

Efe(Efe)
- E como definiria a consciência?
- Em termos gerais seria o conhecimento que um ser tem de si mesmo e de seu ambiente. Para entender melhor, seria aquilo que perdemos quando dormimos ou nos anestesiam.

- Que atividades nos permite realizar?
- A consciência nos permite ver, lembrar, sentir medo etc., embora o deixar de fazê-lo nem sempre significa que o que não vemos, não lembramos ou não sentimos, não esteja de algum modo registrado em nosso cérebro. Pode significar simplesmente que nesse momento não nos é permitido ter acesso a essa informação de um modo consciente.

- Como se gera a consciência no cérebro?
- O pesquisador Giulio Tononi, da Universidade de Wisconsin (EUA) e o neurocientista Christof Koch asseguram que o segredo da consciência estaria na interconexão funcional, em fazer com que todos os circuitos que processam os conteúdos da informação estejam acoplados e funcionem como uma unidade complementar, em equipe. Não é tanto uma sincronia, mas um acoplamento total.

A interconexão funcional


- Qual seria a melhor comparação, uma orquestra sinfônica ou um bom time de futebol?
- Um bom time de futebol! Cada jogador seria o equivalente a um dos circuitos neuronais que processam um aspecto determinado da informação como, por exemplo, o nome de uma pessoa, o lugar onde vive ou o trabalho que faz. Se todos os jogadores estão acoplados, a equipe funciona como uma unidade, o que equivaleria a que todos os circuitos neuronais acoplados geram o estado consciente.

- E o que acontece se estes circuitos não estão acoplados?
- É o que ocorre quando dormimos sem estar sonhando ou quando nos injetam um anestésico. Se os jogadores jogam cada um por sua conta, a equipe desmonta, o que equivaleria a que os circuitos neuronais se desajustam e viria então o estado inconsciente.

- Mas há cientistas partidários da comparação com a orquestra...
- Sim, o neurocientista colombiano Rodolfo Llinás; mas ficou comprovado que, tanto se estamos acordados como se sonhamos, o eletroencefalograma do conjunto do cérebro marca uma atividade sincronizada de ondas que oscilam entre 30 e 70 hertz, o chamado ritmo gama, mas esse mesmo ritmo se dá tanto em situações de inconsciência como quando dormimos sem sonhar, estamos anestesiados ou sofremos convulsões.

Efe(Efe)
- E então?
- No cérebro pode haver sincronia sem consciência, mas não consciência sem sincronia, por isso que a sincronia não parece uma explicação razoável dos mecanismos que tornam possível a consciência, parece mais uma consequência do que uma causa da mesma.

O membro fantasma


- Como você nos explicaria o fenômeno do "membro fantasma", o fato de uma pessoa sentir como sua uma extremidade que acaba de ser amputada?
- Ficou comprovado que as pessoas que perdem um membro por causa de doença ou acidente continuam pensando que ainda o têm durante um período muito breve de tempo, mas a plasticidade cerebral faz com que este tempo não seja muito durável, porque os neurônios do córtex cerebral do membro amputado se reorganizam em seguida.


- E como o cérebro se comporta quando chega a ele sinais de um elemento externo, como uma prótese dentária?
- O córtex cerebral recruta neurônios para processar a nova informação. Quando acabam de nos implantar uma prótese dentária a notamos como algo alheio ao corpo, e a língua passa continuamente por ela, mas, com o tempo, o cérebro modifica os circuitos neuronais que recebem a nova informação e acaba adotando a prótese como uma parte natural do corpo. Isso é chamado de "plasticidade cerebral".


- Para que servem todas estas pesquisas sobre o cérebro?
- Por enquanto, aprendemos como funcionam os neurônios, os diferentes processos dos circuitos neuronais, mas a grande meta que ainda falta ser alcançada é conseguir que estes conhecimentos sirvam para curar doenças mentais.


- Há alguma solução em perspectiva?
- Temos remédios para aliviar os sintomas do Alzheimer, do Parkinson, da esquizofrenia e da psicose, e temos também bons remédios para atenuar a depressão, mas não para curar estas doenças. Ainda não se sabe bem como o cérebro trabalha quando desenvolve uma doença mental.

- Esta seria a grande meta pendente dos neurocientistas?
- Sim. Aprendemos muito sobre a memória, emoções, percepções, linguagem e estes conhecimentos nos aproximaram destas patologias, mas não temos informação suficiente para lutar contra as grandes doenças mentais, mas sim recursos para melhorar nosso bem-estar.


Por Nana de Juan, Efe