O depoimento levou 24 mil internautas a manifestar
sua solidariedade à artista durante o programa. A imprensa entrou
imediatamente no tema, ministros se manifestaram, deputados aproveitaram
a deixa. Tudo isso cria a expectativa de uma mobilização maior quando
se trata de abuso contra crianças. Pelo menos isso era o que Xuxa
deveria estar planejando quando resolveu se expor.
O formato do quadro apresentado no Fantástico
– as perguntas não são mostradas ao público – não é novo, mas faz
efeito, com aquele tom confessional e íntimo. E ela foi falando: do
começo da carreira, do amor por Ayrton Senna, do negócio proposto pela
equipe de Michael Jackson e, finalmente, dos abusos que sofreu na
infância até a adolescência.
Mas talvez o melhor tenha sido o momento em que ela
fala dos sentimentos que experimentou como resultado da violência
sofrida: achar que poderia ser a culpada, ter medo de falar para os
pais, se achar feia e suja. O sentimento e as lágrimas – mostrados sem
grande exagero – pareceram sinceros. Mas a veracidade teria sido mais
realçada se, quando o assunto foi o abuso, a edição fosse outra. Se a
pergunta tivesse ido ao ar, se o espectador soubesse como o assunto
surgiu (afinal foram mais de 30 anos de silêncio), não haveria dúvidas
de que a única intenção da artista ao se expor foi ajudar as crianças.
Faltou deixar claro que há uma campanha, que existe
um telefone para denúncias e que alguma coisa precisa ser feita para
evitar que os abusos contra crianças continuem acontecendo. Do jeito que
foi ao ar, deu margem aos comentários (que não foram poucos) acusando a
artista e a TV Globo de estarem apenas fazendo sensacionalismo em busca
de audiência.
Fazer a diferença
Sensação reforçada quando os apresentadores – displicentes e nada comovidos – prepararam os espectadores para um depoimento “forte e comovente”.
No final, repetiram a frase e foram logo falando do próximo quadro do
programa. Se a Rede Globo estivesse realmente motivada contra a
violência infantil, teria sido um grande momento para falar do Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes (18 de maio) e das iniciativas relativas ao assunto.
É impossível acreditar que Xuxa tenha concordado em
falar de um assunto tão traumatizante apenas para ganhar notoriedade,
como disseram alguns comentaristas. É o tipo da fama que não acrescenta
nada. As declarações dela sobre os relacionamentos com Pelé e Ayrton
Senna seriam suficientes, se o objetivo era esse. O erro maior está na
emissora, que poderia aproveitar e continuar o assunto, mostrando, pelo
menos, os números conhecidos sobre o abuso sexual de crianças no Brasil.
Disse o promotor de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, Lélio Ferraz de Siqueira Neto, à Folha de S.Paulo
(22/5): “A declaração da apresentadora traz à luz um problema que só
entre janeiro e abril deste ano rendeu mais de 34 mil denúncias pelo
serviço Disk 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos”.
Embora a apresentadora tenha dito à imprensa, nos
dias seguintes, que não quer mais falar do assunto (no que, convenhamos,
tem toda razão), a exploração da sua imagem certamente não vai parar
por aí. Já tem deputado querendo que ela vá depor na CPI do abuso
infantil e a própria Rede Globo, se perceber que o assunto pode render
ibope, vai querer a presença dela em novos programas.
A verdade é que pessoas como Xuxa, que já foi a
“rainha dos baixinhos”, podem fazer uma grande diferença. Oxalá o
depoimento faça o efeito desejado e não acabe parecendo, como disseram
alguns, apenas um golpe publicitário.
***
Ligia Martins de Almeida, jornalista
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