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sábado, 3 de março de 2012

Ciúme é natural?

Regina Navarro Lins discorre sobre o tema e relata três histórias reais

O ciúme é sempre tirano e limitador
“Fomos a um shopping no sábado à tarde, para comprar tênis para o nosso filho caçula. Eu fiquei vendo umas lojas, e o meu marido foi com as crianças para a loja de tênis. Quando cheguei lá, ele estava pagando a compra e a vendedora e a caixa se derramavam em cima dele, brincando, rindo, pedindo telefone. Eu já entrei furiosa, dando o maior vexame, perguntando se ele tinha encontrado alguma amiga de infância da minha sogra. A caixa ainda teve a cara-de-pau de explicar: ‘Desculpe, dona, é que sábado é o dia dos pais descasados fazerem compras para os filhos e como o seu gato estava sozinho, a gente achou que podia atacar...’ Depois, ainda aguentei muita reclamação dele e risadas das crianças.”

“Acompanhei minha mulher ao salão de beleza, aliás, quase sempre vamos juntos. Ela estava na minha frente, e uma das amigas teceu um comentário sobre como determinado artista era gostoso, que tinha pernas grossas, etc... A minha mulher entrou no papo com o mesmo tipo de comentário. Eu não gostei, pois sempre sou bastante discreto. Peguei-a pelo braço e a forcei ir embora comigo na mesma hora.”

“Fiz uma loucura. Estávamos meio brigados e ele não me ligou no sábado. Telefonei pra casa dele, mas ele não atendeu. Fui até lá e vi seu carro na garagem. Aí subi e esmurrei a porta. Ele veio abrir e não queria me deixar entrar. Entrei assim mesmo e saí quebrando tudo. Eu tinha certeza de que tinha uma mulher no quarto. Não quis nem saber. Fui lá e enchi a mulher de tapas e socos.”

Estes são alguns dos relatos que ouvi de pessoas ciumentas. A qualquer momento, inesperadamente, pode surgir o ciúme numa relação amorosa: na fase da conquista, no período da paixão, durante o namoro ou casamento e até mesmo depois de tudo terminado. O ciúme envolve uma espécie de ansiedade de abandono. As atitudes ciumentas alimentam essa ansiedade, ao mesmo tempo que tentam encontrar alívio para ela. Para superar os crescentes sentimentos de impotência, o ciumento se esforça por sufocar o outro. Seus interrogatórios e pedidos de garantia de fidelidade fazem parte das tentativas de controle.

Alguns consideram o ciúme universal, inato. Outros, entre os quais me incluo, acreditam que sua origem é cultural, mas é tão valorizado, há tanto tempo, que passou a ser visto como parte da natureza humana. Para o psicólogo Ralph Hupka, da Universidade do Estado da Califórnia, o ciúme é um constructo social: “É improvável que os seres humanos venham ao mundo ‘pré-programados’, digamos assim, para serem emocionais com qualquer coisa que não sejam as exigências de sua sobrevivência imediata.”

O psiquiatra Dinesh Bhugra, do Instituto de Psiquiatria em Londres, argumenta que o ciúme é resultado da sociedade capitalista. Segundo ele, as sociedades capitalistas colocam um prêmio nas posses e propriedades pessoais, que se estende a possuir outras pessoas. A sociedade capitalista encoraja a “tratar o objeto amoroso como se fosse um objeto literal, assumindo que o parceiro seja posse ou propriedade pessoal do indivíduo”.

Há quem acredite que sem ciúme não existe amor. Essa é mais uma daquelas afirmações que as pessoas repetem, sem nem saber bem por quê. Por ciúme se aceitam os mais variados tipos de violência contra o outro, sempre justificados em nome do amor, claro. Entretanto, penso que qualquer atitude ciumenta é um desrespeito à liberdade do outro.

Os que defendem a existência do ciúme na vida a dois fazem ressalvas apenas quanto ao exagero e a comportamentos agressivos. Mas, independente da forma que se apresente, o ciúme é sempre tirano e limitador. Não só para quem ele é dirigido, mas também para quem o sente. O desrespeito que se observa numa cena de ciúme não se limita às agressões físicas ou verbais. Até uma cara emburrada durante um passeio, por exemplo, pode impedir que se viva com prazer.

Mas por que se defende a presença do ciúme numa relação amorosa, mesmo sabendo que o preço pago é tão alto? Encontramos ao menos parte da resposta na forma como o adulto vive o amor, que é em quase todos os aspectos semelhante à forma da relação amorosa vivida com a mãe pela criança pequena.

O bebê quando nasce busca paz, aconchego e proteção através do contato físico com outra pessoa, visando atenuar seu desamparo. Sentindo-se sozinho, entra em pânico e chora até que alguém o pegue no colo e o acalente. Ele ama a mãe (ou equivalente) porque ela atenua a sensação de abandono. A criança se vê frequentemente ameaçada de perder esse amor, sem o qual perde o referencial na vida e também fica vulnerável à morte física. Mostra-se controladora, possessiva e ciumenta, desejando a mãe só para si.

A maioria das pessoas resolve bem as questões práticas da vida. Conseguem trabalho, alugam apartamento, brigam com o síndico, compram carro, criam filhos, mas não conseguem ficar sozinhas. Só estão bem ao lado da pessoa amada. Reeditando a mesma forma primária de vínculo com a mãe, o antigo medo infantil de ser abandonado reaparece. Se há a crença de que o convívio amoroso é a única forma de atenuar o desamparo, a pessoa amada se torna imprescindível. Não se pode correr o risco de perdê-la. O controle, a possessividade e o ciúme passam, então, a fazer parte do amor.

O ciumento, geralmente, é quem apresenta duas características fundamentais: baixa autoestima e incapacidade de ficar bem sozinho. Quem é inseguro, não se acha possuidor de qualidades e tem uma imagem desvalorizada de si próprio, teme ser trocado por outro a qualquer momento. Para evitar isso, restringe a liberdade do parceiro e tenta controlar suas atitudes. Só quem realmente acredita ser uma pessoa importante não sente ciúme. Sabe que ninguém vai dispensá-lo com tanta facilidade. E se tiver desenvolvido a capacidade de ficar bem sozinho, sem depender de uma relação amorosa, melhor ainda. Pode até sofrer em caso de separação, mas tem certeza de que a vida continua.

Regina Navarro

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