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segunda-feira, 12 de março de 2012

Vivendo sozinho: um é o número mais excêntrico


Se ainda havia qualquer dúvida de que estamos vivendo na era do indivíduo, uma olhada nos dados imobiliários confirma isso. Durante milênios, as pessoas viveram amontoadas em cavernas, cabanas de barro, prédios de apartamento e casinhas térreas. Mas nos dias de hoje, uma em cada quatro moradias americanas está ocupada por alguém que vive só; em Manhattan, a terra mítica dos solitários, o número chega a quase uma em cada duas.


Ultimamente, além de estatísticas convincentes, parece estar ocorrendo uma discreta campanha de marketing, como se viver sozinho fosse um candidato político tentando melhorar sua imagem. Dois exemplos notáveis: Eric Klinenberg, professor de sociologia na Universidade de Nova York, publicou o livro “Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone" (Carreira solo: a extraordinária ascensão e o surpreendente encanto da vida solitária, em tradução livre), uma carta de amor à vida solitária, que, segundo ele, é "um incrível experimento social" que revela "que a espécie humana está desenvolvendo novas formas de viver". E, no último outono do Hemisfério Norte, uma reportagem de capa da revista Atlantic examinou a ascensão da mulher solteira, um artigo no qual a autora Kate Bolick falava com carinho do Barbizon Hotel e de um conjunto de apartamentos exclusivo para mulheres comprometidas com a vida de solteira em Amsterdã.


"Eu achava linda a vida de pessoas que vivem sozinhas - eu realmente queria isso pra mim", afirmou Bolick, que está no final da casa dos trinta anos e é proprietária de um apartamento no bairro do Brooklyn Heights, em Brooklyn.

É verdade, há muitos benefícios em se viver sozinho: liberdade de ir e vir a qualquer hora; espaço e tranquilidade para se desconectar do mundo; domínio total sobre o espaço da cama.

Ainda assim, conforme a TV nos ensinou, casas de um habitante são terreno fértil para o cultivo de excentricidades.


De certa forma, viver sozinho representa uma autolibertação. Na ausência daquilo que Klinenberg chama de "olhos de vigilância", o habitante solitário está livre para se entregar a seus hábitos mais estranhos - o que às vezes é chamado de Comportamento Secreto do Solteiro. Você quer ficar pelado no meio da cozinha às duas da manhã comendo manteiga de amendoim direto do pote? Quem é que vai ficar sabendo?

Amy Kennedy, 28, uma professora que vive sozinha em seu apartamento de dois quartos em High Point, na Carolina do Norte, chama isso de viver sem "os freios e os contrapesos da sociedade".

Os efeitos são notáveis, comentou: "Eu vivo sozinha há seis anos e me tornei cada vez mais estranha".


Entre suas bizarrices domésticas: correr sem sair do lugar durante os comerciais da TV, treinar sozinha a pronúncia do francês enquanto prepara o café da manhã (ela escuta um curso em CD); cantar músicas do Journey no banho e tirar da secadora apenas as roupas que ela precisa, transformando-a em um guarda-roupa improvisado.

"O apartamento inteiro se torna a sua sala", afirmou Kennedy, tentando se explicar. "Se eu deixo um sutiã na mesa da cozinha, eu nem penso muito a respeito".

Para Bolick, que também viveu com colegas e namorados, viver sozinha a ajudou a desenvolver "um estilo de trabalho muito indulgente".



"Eu posso trabalhar 24 horas por dia a semana inteira, deixar que meu apartamento desabe sobre mim e nunca lavar a louça", ela continuou. "E ninguém está nem aí".

Bolick tem até uma roupa para ficar em casa sozinha. "Eu tenho essa calça de linho que vai até o joelho. É como uma calça de moletom. Ela é tão estranha", afirmou. "Se alguém chega em casa, eu troco de roupa".

Nem mesmo os namorados já a viram com ela? "Não, não", afirmou Bolick, rindo. "Seria o cúmulo da intimidade se alguém me visse usando essa calça."


Com o passar do tempo, as pessoas que vivem sozinhas desenvolvem dentro de casa uma personalidade completamente diferente - de diversas maneiras - daquela que elas apresentam para o mundo. É claro que todos nós temos uma personalidade privada, mas as pessoas que vivem sozinhas têm muito mais tempo explorá-la.

As indulgências do solitário Rod Sherwood se concentram em seus hábitos de sono. Empresário e produtor musical, ele trabalha em seu apartamento no Brooklyn. Aos 40 anos, Sherwood afirmou que vai se deitar às 2 da manhã uma noite, e que a cada dia vai se deitar um pouco mais tarde, "até eu ir dormir quando o sol estiver nascendo".

Ele refletiu: "Quantas vezes por ano será que eu repito esse ciclo? Eu gostaria de mapear esse processo".



Ronni Bennett, que tem 70 anos e mantém um blog sobre o envelhecimento, o timegoesby.net, viveu sozinha praticamente todos a sua vida adulta, menos cerca de 10 anos. Ela afirmou que adotou um hábito clássico de quem vive só: "Eu jamais fecho a porta do banheiro".

Outras pessoas dizem que suas maiores excentricidades surgem na cozinha. Comer pode ser um ato pessoal e até mesmo constrangedor, e quando não há um parceiro ou colega de quarto, abordagens pouco convencionais em relação à comida podem surgir. Beber direto da caixa é só o começo.



"Eu quase nunca faço o que você chamaria de 'refeição'", afirmou Steve Zimmer, um programador de 40 e poucos anos que vive sozinho em um loft em Manhattan. Segundo ele, ao invés de refeições em horários normais, ele faz "seis ou sete" incursões por hora à geladeira e vive basicamente de cereais.

Bolick, a autora da reportagem, sobrevive de sementes e nozes, algo que ela só notou recentemente, quando dividiu uma casa com um casal de Los Angeles. O marido disse a Bolick que ela se daria bem em um terremoto, porque "Eu comia o equivalente a uma ração de emergência".


Sasha Cagen, fundadora do site quirkyalone.net, é um tipo de porta-voz e lobista não oficial dos solitários. Cagen, que já dividiu residências no passado e que agora vive sozinha em Oakland, Califórnia, afirma que ao invés de cozinhar uma grande refeição para uma pessoa - uma perspectiva pouco animadora -, ela cria o jantar a partir de "objetos isolados": "Às vezes eu vejo que tenho, tipo, uma batata-doce", comentou. "E digo a mim mesma: 'vou colocá-la no forno com papel alumínio e comer'."

Essa é uma solução para o problema de muitas pessoas com as comidas que estragam. Mas para Cagen, esses jantares improvisados ressaltam um dos prazeres de se viver sozinho. "Você tem liberdade de se soltar de verdade e ser você mesmo quando vive sozinho, e muitas pessoas invejam isso", afirmou.


Sobretudo quem jamais passou por essa experiência. Por exemplo, Chad Griffth, 29 anos, um fotógrafo do Brooklyn que saiu direto da casa de seus pais para viver com outros colegas durante e depois da faculdade e, em seguida, para um apartamento dividido com sua noiva.

"Eu nunca vivi sozinho em toda a minha vida", afirmou Griffith.

Ao invés disso, ele realiza o que chama de "Dia do Chad", algo que ele espera ansiosamente para fazer sempre que sua namorada sai da cidade. "Basicamente, sou eu fazendo as coisas mais estúpidas", afirmou. "Eu me sentiria culpado se qualquer outra pessoa me visse."


Alguns exemplos do que ele faz?

"Eu já tomei champanhe às 8 da manhã durante o banho", comentou Griffith. "Eu jogo 'Madden NFL Football' por 10 horas seguidas, como pizza de pão francês em todas as refeições do dia."

Mas viver sozinho é uma habilidade que requer controle e Griffith descobriu que isso não é o seu forte. Segundo ele, os Dias do Chad são o máximo que ele consegue suportar.

"Eu sou literalmente descontrolado", afirmou. "Se eu vivesse sozinho e sem ninguém para me controlar, eu seria um desempregado gordo e alcoólatra."



Com frequência, há outra preocupação para pessoas que se sentem confortáveis, ou mesmo bem, com a vida solitária: o medo de que seus hábitos domésticos estejam, por assim dizer, cimentados e de que seja difícil voltar a viver com outra pessoa. "Isso é definitivamente algo que me preocupa", afirmou Kennedy. "Eu não vou deixar de ter essas manias."

Quanto mais tempo ela vive sozinha, menos flexível ela se torna - e menos preocupada com as necessidades dos outros. "Quando saio de férias com um grupo de amigos, eu me sinto um pouco sufocada", contou. "Eu vou ter que dividir este quarto com outras pessoas? Vamos ter que combinar a hora do banho?"

The New York Times

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