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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Especialistas afastam aspecto psicológico como causa da gagueira

Quase 70 milhões de pessoas sofrem com a gagueira, condição que foi enfrentada pelo rei inglês George VI, retratado no filme "O discurso do rei", com o ator Colin Firth no papel do monarca. A ciência ainda não chegou a uma conclusão sobre o que motiva o distúrbio na fala, mas uma candidata é cada vez mais afastada: a causa psicológica.


Discurso do rei (Foto: Divulgação/Divulgação)
O ator Colin Firth, no papel do monarca
 George IV,que conviveu com a gagueira.
 "Aqui no Brasil as pessoas ainda encaram a gagueira como um problema emocional, algo que veio por causa de um simples susto", afirma a fonoaudióloga Ignês Maia Ribeiro, presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), grupo voltado à divulgação de informações sobre o distúrbio da fala. No país, quase 2 milhões de pessoas convivem com o problema.


A gagueira é entendida pelos médicos como uma dificuldade para manter o ritmo normal da fala. O portador pode repetir várias vezes uma sílaba, uma palavra e até trechos inteiros de frases. Também há casos nos quais a pessoa prolonga um som ou faz ruídos no meio do discurso que atrapalham a compreensão por parte do ouvinte.



Segundo o IBF, 55% dos casos são motivados por herança genética. Os 45% restantes seriam causados por lesões no cérebro. Em fevereiro de 2010, os cientistas chegaram a descrever a descoberta de três genes ligados à gagueira. O estudo foi divulgado na revista médica "New England Journal of Medicine", uma das principais na área.


Estudo ‘monstro’
Segundo os Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos (NIH, na sigla em inglês), as causas psicológicas eram aceitas no passado para explicar a gagueira.


Na época retratada pelo filme, uma pesquisa feita por Mary Tudor, estudante de psicologia clínica da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, tentou provar que as pessoas podiam ser "convencidas" a tornarem-se gagas.


Orientada por Wendell Johnson, professor da universidade e portador de gagueira desde os 6 anos de idade, Tudor trabalhou com 22 crianças -- 10 delas diagnosticadas com gagueira antes do experimento --, durante seis meses de 1939.


Divididas em grupos, metade das órfãs saudáveis eram levadas a acreditar que tinham gagueira. Já parte daquelas com o distúrbio de verdade eram convencidas de que falavam normalmente.


O trabalho é conhecido atualmente como "estudo monstro" dentro da comunidade científica, pois os métodos usados causaram problemas psicológicos reais nas crianças e não provaram que a gagueira podia ser induzida.


No ano de 2007, a corte do estado norte-americano de Iowa chegou a autorizar indenizações a agluns dos órfãos saúdáveis usados por Johnson e Tudor no experimento frustrado.


Sem consenso
Mesmo cada vez mais afastada, os especialistas reconhecem que as explicações psicológicas ainda estão presentes nos estudos sobre a gagueira. “Não há consenso ainda, algumas linhas de pesquisa ainda trabalham com as causas psicológicas”, afirma Clara Rocha, fonoaudióloga do Grupo Microsom, especializado em produtos para portadores de gagueira.


Para os especialistas, parece fazer mais sentido entender os problemas psicológicos como consequências possíveis da gagueira. "São pessoas que podem ter um ânimo muito baixo. Tem gente que não contrata quem sofra com gagueira, gente que acredita que o distúrbio é contagioso”, diz Clara. “A dificuldade para falar pode certamente levar a um trauma.”


Tratamento
Não existe cura e não há drogas para tratar a doença. Estudos do Instituto Nacional de Surdez e Distúrbios de Comunicação norte-americano (NIDCD, na sigla em inglês) mostram que remédios usados para combater outras doenças como depressão, epilepsia e ansiedade fracassam quando aplicados como terapia para tratar a gagueira.


O rei George VI conta, no filme, com um fonoaudiólogo excêntrico, interpretado por Geoffrey Rush, que desenvolve muitas das técnicas atuais para diminuir a gagueira. "O filme mostra bem que o tratamento é mais refinado do que simplesmente fazer leitura em voz alta", explica Ignês. "É preciso aprender a soltar a musculatura, relaxamentos, é um trabalho cauteloso, mais do que simplesmente oratória."


A gagueira traz problemas de convívio motivados pelo preconceito e pela crença de que pessoas com o distúrbio tenham problemas não só na fala, mas também de compreensão. "A gagueira não atinge a cognição", diz a especialista. "A fala simplesmente não acontece como o portador quer, mas ele pensa e entende o mundo como uma pessoa normal."




No filme, o monarca não tem a opção de fugir da vida pública, mas esta é uma tática adotada por muitas pessoas com gagueira. “Pior que as gozações é o isolamento. Se você não fala, você não gagueja”, explica Ignês.


Durante o tratamento com fonoaudiólogos, que pode durar até um ano, discursos como os vistos no filme são apenas o objetivo final do tratamento. "Chegar ao discurso é sempre a meta, especialmente agora que a fala é cada vez mais exigida", diz a presidente da IBF.

Colin Firth em cena de 'O discurso do rei' (Foto: Divulgação/Divulgação)
Colin Firth, encarnando o monarca George VI, no filme 'O discurso do rei'.

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