Ricardo van der Linden Coelho*
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Dois anos depois do AI-5, enquanto a repressão ensangüentava os porões e a imprensa seguia censurada, pareceu inacreditável aos próceres do velho MDB e aos remanescentes de uma elite liberal agonizante que os brasileiros endossassem nas urnas uma ditadura que já não temia mostrar seu rosto. Levariam anos para realmente entender que o “Milagre Econômico”, então no auge, fora o verdadeiro cabo eleitoral do regime.
Pruridos democráticos, defesa das liberdades, violações constitucionais, imprensa manietada, Congresso lacrado, Ministério Público calado, conivente e servindo ao partido do regime, nada disso importou diante da sensação de bem-estar daqueles que agora podiam entreter-se com ilusões de prosperidade. Era o “milagre econômico” dos anos 70.
Gostem ou não os analistas, o velho Marx ainda merece o crédito por uma conclusão incontrastável, de que com ou sem luta de classes, as sociedades humanas se definem em suas condições materiais de existência. Toda a consciência de classe do proletariado não sobrevive a uma mesa farta, cargos, negócios e negociatas.
Enquanto a propaganda do regime rugia slogans nacionalistas contra os subversivos inimigos da nação – velhos coronéis da política, oligarcas e oportunistas de variados matizes garantiram para a ARENA (e para si) as cadeiras parlamentares que simbolizavam o único mecanismo formal de expressão da opinião pública preservado nos anos de chumbo.
Assenhoreados do Estado e desse apoio majoritário, os generais-presidentes acreditaram-se no comando de um verdadeiro regime, uma espécie de democracia indireta; acabaram vítimas da própria pretensão. Foram incapazes de compreender que o apoio recebido das urnas devia-se ao interesse, e não à convicção.
Fazendo um paralelo, percebemos que nestas eleições, em geral, idéias, princípios, programas pouco foram discutidos, quase nada significaram. A prosperidade do país, a estabilidade econômica, o bem estar geral e a progressão social das classes se constituíram em fatores decisivos do voto.
Definidas as eleições proporcionais e rumo ao 2º turno da eleição presidencial, algumas reflexões são necessárias para aperfeiçoamento do regime democrático. Refiro-me ao contexto nacional e a necessidade premente de se empreender uma ampla reforma política, mediante uma constituinte convocada para tal fim. É preciso se pôr fim ao processo de judicialização da política, que solapa a cada eleição atribuições do Congresso Nacional.
O Presidente eleito, com todo o capital político acumulado, deve dar prioridade a esta reforma para mudar o sistema. É fato, a política hoje é suscetível ao poder econômico e à corrupção, votos ainda são comprados, fazendo com que o estado brasileiro tenha um processo decisório fraco com pouca discussão programática e ideológica.
Temas como a obrigatoriedade do voto, distrital ou de lista partidária, na legenda, pesquisas eleitorais, desincompatibilização de cargos, uso da maquina administrativa, uso da mídia, guia e propaganda eleitoral, engajamento da imprensa na política, tempo de campanha (período eleitoral), abuso de poder econômico, redução dos custos de campanha através de doações e financiamento público, transparência na prestação de contas, crimes eleitorais, partidos políticos, fidelidade partidária, instituição de federações partidárias, cláusula de barreira, condições de elegibilidade (Ficha Limpa), unificação das eleições em todos os níveis, o aumento da participação popular nas decisões mais importantes via plebiscitos e referendos precisam ser bem definidos e com antecedência.A aprendizagem que vem das urnas é um “remédio amargo”. Talvez não seja agradável reconhecer, mas ao lado de parlamentares respeitáveis, muitos campeões de voto por todo o Brasil foram “fichas limpas” sujíssimos, beneficiados pelas alterações teratológicas operadas na Lei às vésperas do pleito. Outros apenas representam o voto de protesto: “pior do que está não fica”.
O que o eleitor quis dizer com isso? Será que o populismo, a demagogia, o assistencialismo, a corrupção foram eleitos pelo povo brasileiro? Ou terá o eleitor dito nas urnas que não se importa com quem ocupa o Senado, a Câmara Federal e as assembléias legislativas de seus estados? A desinformação sobre o Legislativo é geral. Boa parte da população não sabe, e o pior, não quer saber.
De um lado temos uma possível crise de valores, de outro, grande desinformação sobre o Poder Legislativo. Embora desoladora, a idéia de que princípios como ética, honestidade e responsabilidade não significam muito para nosso eleitorado parece ser, pelo menos em parte, verdadeira. Ouvimos sobre corruptos, de pessoas de várias classes sociais, que “fariam o mesmo se estivesse lá”, que “para estar lá é preciso entrar no esquema”. Percebe-se uma profunda desilusão e apatia.
A democracia precisa de vigilância sob pena de ser a fachada do autoritarismo. A transparência nas regras eleitorais é necessária para evitar que o regime sofra distorções e se coloque a serviço daqueles mais aptos na manipulação das massas (populistas), para que assegure os direitos das oposições, para que não sacrifique as liberdades individuais e coletivas. Eleições sem regras pré (e bem) definidas são casuísticas.
Levi-Strauss ousou dizer que algumas sociedades iletradas eram ética e esteticamente muito sofisticadas. Penso que analfabeto não é apenas aquele que a sociedade letrada refugou. Não foi apenas este o eleitor que protestou. As elites também protestaram. Muitos se mostraram desiludidos com os políticos, é preciso entender o recado das urnas.
Em defesa da democracia, do regime representativo, dos princípios que norteiam o ideal de República, precisamos agir para resgatar a credibilidade do parlamento; o desencanto com os indivíduos está se convertendo em desilusão com as instituições, e neste caso os riscos são muitos maiores...
*Promotor de Justiça. Mestre e PHD em Direito Público

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