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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Facebook sabe tudo sobre você

Você sabe dizer quanto vale? Deixe de lado fatores subjetivos, como seus valores morais, habilidades profissionais e perspectiva de vida. Quanto você vale em dinheiro? Se você é um dos 845 milhões de usuários do Facebook no mundo – só no Brasil são 36 milhões –, essa pergunta foi respondida na semana passada: você vale exatos US$ 88,75, cerca de R$ 152. Depois de meses de preparação, a maior rede social da internet entregou os documentos necessários para realizar sua oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores de Nova York.

O objetivo da empresa é captar US$ 5 bilhões a partir de maio, quando os papéis do Facebook estarão à disposição dos investidores. O preço que cada uma dessas ações atingir no lançamento vai determinar o valor total da empresa, que está sendo estimado entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões. Com base nessas projeções, empresas calcularam o valor por usuário ou “quanto você vale” no Facebook. Basicamente, é uma divisão de US$ 75 bilhões por 845 milhões de usuários.

A Apple fatura vendendo iPhones, iPads e computadores Macs. A Microsoft fatura vendendo licenças do sistema Windows ou consoles do videogame XBox 360. O Google ganha dinheiro com anúncios atrelados a seu serviço de busca. E o Facebook ganha dinheiro apenas com suas informações. É o que você posta, escreve, joga, compartilha, lê, comenta, curte e cutuca que fez com que a empresa lucrasse US$ 1 bilhão em 2011. Isso pode transformá-la, agora, na sétima companhia de tecnologia mais valiosa do mundo.

Quem conseguiu transformar essas informações em dinheiro foi o jovem americano Mark Zuckerberg, fundador e principal execu-tivo da empresa. Com apenas 27 anos, ele é hoje um dos homens mais ricos e influentes do mundo. O Facebook, criado em 2004 no alojamento de estudantes da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, inventou um negócio com base na oferta de espaço digital (ilimitado e gratuito) para que os consumidores se relacionem. Em troca, os dados sobre tudo o que esses consumidores fazem – tudo o que você faz! – são vendidos às empresas interessadas em se relacionar com eles, na forma de anúncios publicitários. Oitenta e cinco por cento do faturamento de US$ 3,7 bilhões obtido pelo Facebook no ano passado veio assim.

Sistemas inteligentes analisam rios de dados gerados pelas ações dos usuários e criam “cestas de perfis” para quem quiser explorá-los. Como funciona? O Facebook, por exemplo, calcula quantas mulheres paulistanas entre 20 e 30 anos acabaram de mudar seu status de relacionamento para “noiva”, oferece essa informação a uma produtora de festas e cria um anúncio para sair na coluna lateral do perfil das noivas. Da mesma forma, se alguém “curte” uma página de comida saudável, pode ser o cliente ideal para anúncios de vegetais orgânicos. Se posta vídeos de futebol, se menciona livros de economia, se comenta sobre mergulhos, se publica fotos das Ilhas Fiji – as possibilidades de exploração comercial das informações são infinitas, e todas elas são armazenadas nos bancos de dados do Facebook. Com o passar do tempo, eles se tornam verdadeiros oceanos de dados nos quais as empresas podem pescar o que desejarem saber sobre os consumidores.

Além de franquear informações sobre seus usuários, o Facebook também permite que as empresas criem as próprias ações de marketing no site. Elas podem montar páginas oficiais no Facebook, onde reúnem consumidores, fazem promoções e criam desafios e jogos. Tudo com o intuito de que seus clientes compartilhem cada vez mais informações e façam, no boca a boca, publicidade gratuita da marca. Mais de 25 milhões de pessoas no mundo se deram ao trabalho de entrar na página do biscoito Oreo no Facebook e clicar no botão “Curtir”. Com isso, recebem as últimas informações sobre o produto e participam de promoções. No Brasil, a página do Guaraná Antarctica reúne quase 4 milhões de fãs. “Mais de 4 milhões de empresas têm páginas no Facebook que são usadas para ter um diálogo com seus clientes”, diz Zuckerberg.

A questão da privacidade

O sucesso do modelo de negócio criado pelo Facebook traz uma polêmica que acompanha a empresa desde seu nascimento. Até que ponto uma companhia de internet tem o direito de acompanhar a vida pessoal dos usuários para desenvolver estratégias de mar-keting a partir delas? O Facebook já enfrentou críticas e foi levado aos tribunais pela forma como atropela os direitos de seus usuários e faz uso pouco transparente das informações que eles colocam no site.

As políticas de privacidade da empresa são explicadas em centenas de páginas (difíceis de encontrar nas entranhas do site) e, uma vez encontradas, são escritas de uma forma que repele a leitura e a compreensão. Ao contrário da adesão ao Facebook, que é feita em minutos por qualquer criança, obter informações sobre os direitos dos usuários no site pode levar muito tempo e exige paciência e habilidade.

Determinado a descobrir o que o Facebook sabia sobre ele, o estudante austríaco Max Schrems pressionou a empresa de todas as formas. Depois de uma longa disputa legal, conseguiu, no ano passado, que o Facebook lhe enviasse um CD com todos os dados gerados em seu perfil durante três anos. O CD continha mais de 1.200 páginas de informações privadas, inclusive todas as mensagens que ele deletara. Segundo Schrems, isso contraria explicitamente os compromissos legais do Facebook. Nos últimos anos, as políticas de privacidade e de direitos dos usuários sofreram várias mudanças unilaterais por parte do Facebook, sempre na mesma direção – a publicação indiscriminada das informações que as pessoas colocam em seus perfis e das mensagens que trocam com seus amigos no interior do site, e mesmo fora dele. Cada vez que o Facebook lança um pacote de novidades para os internautas, é alvo de reclamações de quem vê suas informações pessoais tornarem-se repentinamente públicas.

Em 2007, o Facebook lançou um serviço chamado Beacon. Ele revelava o que os usuários faziam e o que compravam em sites que se integravam à rede social. Depois, criou um sistema que reconhecia e marcava automaticamente as fotos de usuários, com base numa poderosa ferramenta de reconhecimento facial. Recentemente, o Facebook estreou um recurso chamado “linha do tempo”, que organiza e publica por conta própria tudo o que o usuário já postou: fotos, vídeos, mensagens, interações com amigos...

No início, a adesão a essa forma de apresentação do perfil foi voluntária. Quando os internautas hesitaram, o Facebook anunciou que a mudança seria compulsória – e gerou uma onda de protestos irados. Ficou claro que a “linha do tempo” poderia ressuscitar fotos de ex-namorados – ou vídeos comprometedores de festas – publicadas numa época em que apenas meia dúzia de amigos íntimos tinha acesso ao perfil de cada um dos usuários. Em resumo, o Facebook se preparava, novamente, para tornar pública mais uma camada de informação que antes parecera protegida pela privacidade. O resultado apareceu numa pesquisa realizada pela empresa de segurança Sophos: menos de 10% dos usuários aprovaram a mudança em seus perfis. Mesmo assim, o Facebook anunciou dias atrás que a linha do tempo será ativada em todos os perfis, sem necessidade de autorização. Por sete dias, apenas o próprio titular terá acesso a ela, podendo fazer modificações. Depois disso, a vida de cada um dos internautas no Facebook estará aberta. O objetivo de Zuckerberg com essas constantes reduções do espaço privado é manter os internautas mais tempo em suas páginas, conversando e vasculhando os perfis uns dos outros. Ele percebeu muito cedo, ainda na universidade, que a maioria de nós tem uma curiosidade ilimitada sobre os outros e um desejo irrefreável de conversar e partilhar novidades sobre nós mesmos.

Zuckerberg identificou esse comportamento antes de 2004, ao criar o site FaceMash, um embrião do que viria a ser o Facebook. O site roubava fotos de alunos publicadas nos sites pessoais de Harvard e promovia uma competição para determinar quem eram as alunas mais bonitas. Os acessos foram tantos que derrubaram os computadores centrais da universidade.

Posto, logo existo

Desde então, Zuckerberg vem ajudando a moldar uma geração inteira que ficou conhecida como “posto, logo existo” – gente incapaz de usufruir um momento privado sem a antecipação do prazer de partilhá-lo on-line. Conhecido por ter um temperamento recluso e quase antissocial, o próprio Zuckerberg não é bem assim. Ele achava os colegas de universidade frívolos, preocupados demais em aparecer. Olhando de fora, percebeu que a internet, com seu potencial infinito de compartilhamento de informações, poderia alterar dramaticamente os conceitos de público e privado – e se aproveitou astutamente disso. Afirma que não havia mais nenhuma expectativa de privacidade na internet. “As pessoas estão cada vez mais confortáveis não apenas em partilhar informações, mas em fazê-lo mais abertamente e com mais pessoas”, disse no ano passado, numa das declarações mais francas que fez sobre o assunto. “Essa é uma nova norma social, que evoluiu com o tempo.”

O comportamento de milhões de internautas parece dar razão ao criador do Facebook. Se há uma parcela que protesta quando sua privacidade é ameaçada, outra parece não se importar em se expor para conseguir chamar a atenção dos amigos ou fazer novos contatos pessoais. É a geração que tem necessidade de colocar no ar, pelo Facebook, tudo o que faz no dia a dia.

A garçonete Carina Vilar, de 31 anos, leva seu notebook aonde quer que vá, para acompanhar instantaneamente as atualizações e os comentários do Facebook. Em seu perfil na internet, além de divulgar o bar em que trabalha em São Paulo, ela posta fotos insinuantes em que mostra partes do corpo. Tem alguma preocupação com o risco de sua imagem ser usada sem autorização? “Nem penso nisso. Quero que as pessoas me vejam”, afirma. “Privacidade é estar no banheiro, de porta trancada. Fora de lá, isso não existe.”

Como um número cada vez maior de pessoas pensa e age como Carina, o Facebook e a mentalidade do “posto, logo existo” não param de crescer. “A nova noção de privacidade está ligada à internet. Privado é aquilo que você não quer expor no mundo virtual”, afirma Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do mercado digital. Na verdade, parece haver ao menos duas noções de privacidade conflitantes convivendo no século XXI. A mais tradicional, desenvolvida num mundo de baixa tecnologia e de elevadas barreiras morais, se escandaliza com a profusão de imagens e informações veiculadas na internet. A mais recente, abraçada pela geração que cresceu com as redes sociais e com as possibilidades da comunicação instantânea, cultiva limites muito mais fluidos sobre o que é apropriado tornar público sobre si mesmo. Zuckerberg e seu Facebook transitam nessa fronteira, tentando empurrá-la para o lado do total descontrole, em que tudo possa ser publicado e partilhado indiscriminadamente. Muitos acreditam que esse mundo já chegou.

Sherry Turkle, diretora do Centro de Estudos de Ciências Sociais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), disse a ÉPOCA que as políticas de privacidade apresenta-das pelos sites são totalmente ilusórias. “É impossível saber o que circula a nosso respeito na internet”, afirma. “Temos a sensação permanente de que coisa alguma está sob nosso controle.” Segundo ela, a própria forma contemporânea de encarar a intimidade permite isso. “As relações humanas apresentam demandas por contato, por sentimento. A tecnologia nos permite eliminar essas necessidades e transformar ligações íntimas em meras conexões, sem que notemos.”

Certamente a internet promoveu grandes mudanças de comportamento. Três dias após o início da 12a edição do Big Brother Brasil, em janeiro, vazou na internet um vídeo amador do empresário Filipe Soldati. Ele cantava “Azul”, de Djavan, numa casa noturna de Belo Horizonte. O vídeo teria passado despercebido não fosse Filipe o ex-noivo de Renata Dávila, uma das participantes do BBB. A cantoria amadora registrou mais de 10 mil acessos em 72 horas e estimulou o rapaz de 30 anos a tentar a sorte. Filipe abandonou suas funções administrativas na empresa da família para se dedicar integralmente à “carreira musical” – e seu principal instrumento de divulgação, claro, é o Facebook. Ele mantém dois perfis nas redes sociais. São 400 fotos, muitas delas de sunga e alcoolizado. “Não tenho pudor, gosto de publicar tudo. O que é bonito deve ser mostrado”, diz o modesto aspirante. A cada dia, Filipe publica 30 posts. Além de poemas e declarações públicas de amor à BBB, ele chegou a comentar sobre o ciclo menstrual da ex e afirma que ela sofre de ninfomania. “É uma forma de cativar meus fãs e aumentar meu número de seguidores”, afirma. Antes da entrada de Renata no programa, Filipe tinha pouco mais de 700 amigos. Hoje, 5.800 pessoas acompanham seu Facebook. Tornou-se uma nanocelebridade e não nega nada a seu público. “Sou um cara bem aberto e espontâneo. Minha vida é exposta mesmo.”

O novo narcisismo

“A banalidade e a efemeridade sempre fizeram parte da condição humana”, diz o filósofo Luiz Felipe Pondé. A internet só escanca-rou essa debilidade. Ele acredita que a exposição extrema nas redes sociais tem mais a ver com narcisismo do que com qualquer nova noção de privacidade. “As pessoas escrevem besteiras no Facebook para ser vistas. É só uma questão de autoestima”, diz ele.

Quem se dedica a estudar os dilemas da privacidade moderna vê as coisas de forma mais complexa – e teme pelo que possa acontecer no futuro. Ryan Calo, diretor de pesquisa sobre privacidade da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, disse a Época que privacidade é o mesmo que controle de informação – e que ela é essencial ao ser humano. “Você precisa de privacidade para ser um indivíduo real”, afirma. Para ele, não é à toa que em romances como 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, o que há de mais assustador é a perda da intimidade, da possibilidade da vida privada. “Quando perdemos a privacidade, perdemos também nossa essência. Sem ela, não sabemos realmente quem somos.”

A punição para quem perde o controle sobre si mesmo pode ser fulminante. Em 2008, João Marcelino Rocha saiu de Caçapava, no interior de São Paulo, para trabalhar no emprego dos sonhos. Foi contratado como videomaker por uma renomada produtora de histórias em quadrinhos da capital. Menos de dois meses depois, foi demitido, por postar informações consideradas sigilosas pela empresa. João Rocha ficava tão deslumbrado em acompanhar de perto os bastidores da produção de filmes que passou a compartilhar essas informações em comunidades de fãs de gibis, no Facebook. “Eu era o fã mais próximo dos meus ídolos e me deixei levar pelo fanatismo.” Seu chefe e ídolo o chamou para uma conversa e advertiu: ou continuava como funcionário sério ou seria um fã demitido. Pouco tempo depois, João Rocha perdeu o emprego. “As pessoas ficavam receosas em me contar as novidades, e meu trabalho foi perdendo sentido”, diz. “Perdi minha credibilidade e passei a ser visto como um fã bobo.” Hoje, João Rocha trabalha numa agência de mídias sociais em São Paulo e administra contas de Facebook de outras empresas. “Aprendi a me policiar mais e posto apenas o necessário.”

Na carta que divulgou na semana passada, quando apresentou os documentos para abertura de capital do Facebook, Zuckerberg tratou dessas questões com uma retórica heroica e otimista. “O Facebook não foi criado para ser uma empresa. Ele foi construído para realizar uma missão social: tornar o mundo mais aberto e conectado”, escreveu.

É o mesmo discurso idealista que o Google usou em seus primeiros anos de vida, quando tinha o slogan informal “Don’t be evil” (“Não seja mau”). Mas a carta vai além. Zuckerberg deixa claro aos investidores que a empresa está disposta a investir em novas ferramentas que incentivem seus usuários a partilhar entre si um volume cada vez maior de informações – que poderão ser, de alguma forma, usadas pelas empresas. “Compartilhando mais, as pessoas têm acesso a diferentes opiniões sobre produtos e serviços”, afirma. “Isso torna mais fácil a descoberta de novos produtos e melhora a qualidade e eficiência de nossa vida.”

A abertura de capital do Facebook impõe à empresa novos desafios. Haverá, sobretudo, pressão dos acionistas para atrair cada vez mais dinheiro. Isso significa que o Facebook terá de continuar crescendo em assinantes – e convencendo seus usuários a depositar mais e mais informações em seus perfis. O futuro do Facebook depende, resumidamente, de quanto as pessoas estarão dispostas a expor de sua vida, em troca de um serviço gratuito e instantâneo que as coloca em contato, 24 horas por dia, de qualquer lugar do mundo, com amigos, familiares e colegas de trabalho. Para o Facebook prosperar nos próximos dez anos, será preciso um mundo onde as relações sociais e a ideia de privacidade sejam substancialmente diferentes do que são hoje.

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Bruno Ferrari, da Época, com Luíza Karam, Nathalia Prates e Tonia Machado

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