Para meu aniversário de 7 anos, meus pais me deram de presente uma casa de boneca simples e inacabada. Tinha seis quartos vazios, dois andares, uma escada e uma porta que dava para um pequeno alpendre frontal. As janelas abriam e o telhado retraía para um dos lados, revelando um sótão.
Era 1988. Meu quarto estava repleto de bonecas Barbie, Meu Querido Pônei e roupas da She-Ra. Porém, imediatamente passei a amar a casa de boneca mais do que a todos os meus brinquedos de plástico rosa combinados.
Numa tarde de verão, meu pai e eu pintamos a casinha juntos no quintal: rosa bebê com detalhes brancos. Aplicamos papel de parede em cada um dos quartos e logo os espaços vazios começaram a ganhar vida A casa tinha uma cozinha, um hall de entrada, uma sala de estar, um banheiro/lavanderia e três quartos de dormir (o maior; o quarto do bebê no sótão e o quarto dos irmãos mais velhos que ressentiam o bebê por fazê-los dividir o espaço).
Perto da minha casa em Milton, Massachusetts, existia uma loja especializada em miniaturas para casas de boneca. Todas as vezes que eu entrava no lugar, era transportada da calçada barulhenta da cidade, de frente para uma parada de ônibus, para um mundo da mais perfeita ordem. Eu gastava minha mesada com revistas em miniatura para a mesa de café, pequenos rolos de papel higiênico numa cesta para o banheiro e uma torta assada numa tampa de cerveja, que estaria sempre esfriando no topo do forno.
A maioria dos outros clientes da loja eram mulheres mais velhas, o que dava ao meu hábito algum elevado sentido de importância. Eu sabia que a minha casa de boneca era um brinquedo, mas de certo modo ela parecia ser um portal para a vida adulta. Eu não costumava brincar com ela da mesma maneira que eu o fazia com a minha casa dos sonhos da Barbie. Em vez disso, mobiliava minha casa de boneca. Eu a mantinha totalmente organizada e a decorava para cada estação. Eu tinha lanternas feitas com morangas para o outono e uma árvore de Natal com pisca-pisca de verdade para o inverno.
Durante os fins de semana, fui com a minha mãe para algumas feiras de casa de boneca e comprei caixas de Tide e Cheerios do tamanho de selos postais.
Enquanto as minhas amigas estavam jogando queimada na rua, eu estava na sala de conferência de um hotel em Boston, discutindo o preço de uma miniatura de chapeleira vitoriana.
Em algum momento eu superei a casa de bonecas e, como todo o resto dos meus brinquedos, ela se tornou domínio da minha irmã, Caroline. Nove anos mais nova que eu, ela não se interessava pelas brincadeiras superfemininas que eu adorava. Ela cortou os cabelos das minhas bonecas American Girls e quebrou em pedaços meu conjunto de chá.
E ela arruinou a casa de bonecas quando resolveu fazer um experimento para observar quanto tempo líquidos diferentes levariam para escorrer do topo da escadaria até o hall de entrada. (Até hoje, a casa permanece marcada por uma trilha de xarope de bordo, azeite de oliva e Kool-Aid.) Por fim, a casa terminou num canto do sótão, onde permaneceu quieta por mais de uma década.
Então, há quatro anos, mudei-me para meu primeiro apartamento em Nova York, sem colegas de quarto, e os funcionários da mudança não conseguiram passar com meu sofá pela porta. Eu lhes implorei, ofereci algumas sugestões e finalmente chorei. Eu não tinha dinheiro para comprar outro sofá e podia imaginar que os meus vizinhos não ficariam contentes em encontrar meu móvel bloqueando as escadas. Mas não havia o que se fazer. O sofá não entraria.
Uma semana depois, durante uma visita aos meus pais, eu estava procurando por alguma coisa no sótão quando esbarrei na minha antiga casa de boneca.
Uma ideia surgiu na minha cabeça. Eu tirei o sofá da sala e coloquei dentro da minha bolsa.
De volta a Nova York, eu depositei o sofá de 12,7 centímetros contra a parede do apartamento, onde deveria estar o sofá de verdade. Vê-lo no canto da minha sala me fez sorrir e agradou meus amigos, mas alguma outra coisa aconteceu: de repente e inconvenientemente reacendeu-se a chama do meu amor por casas de boneca. Assim como outras pessoas que possuem uma embaraçosa obsessão secreta, satisfiz meu desejo na internet.
Eu me tornei particularmente interessada por um site chamado BostonMiniatures.com, no qual passei horas secando uma coisa ou outra. Eu te desafio a entrar no site e não se deixar envolver. Na seção de eletrônicos você irá encontrar um receptor de TV via satélite, uma miniatura de máquina de costura, um relógio-cuco e um telefone público. Numa categoria chamada 'obras-primas’, você pode comprar uma espreguiçadeira de madeira pintada de branco com detalhes dourados nas suas pernas trabalhadas e um estofado em brocado de seda, por nada mais do que US$ 99,95. Para uma garota que ainda não tem condições de possuir os modelos da Jennifer Convertibles, isso parece um sonho.
Ter algo desse tipo no meu pequeno apartamento pareceria algo para lá de estranho. Eu me imaginei trazendo um paquera para casa e dizendo, “Ah, isso? É apenas minha casa de boneca”. Ao que, depois, ele sairia correndo e gritando noite afora.
Mesmo assim, cada vez que eu visitava meus pais, eu não resistia em trazer alguns objetos da minha casa de boneca para o apartamento: um lampião, um minúsculo pote de chá. Quando comecei a escrever meu segundo livro, decidi que uma das personagens seria apaixonada por casas de boneca e isso me permitiu passar horas diante do computador, 'pesquisando’ na butique online da Manhattan Dollhouse ou na FAO Schwarz, sem peso na consciência. Escrevi capítulos inteiros sobre exibições de casas de boneca e criei um malfadado romance entre dois personagens que começou com uma casinha. Embora eu não me permitisse comprar qualquer coisa, acabei visitando cada peça requintada no site BostonMiniatures.com.
No ano passado, eu me mudei para o quarto e sala do meu namorado no Brooklyn. Nossa casa é calorosa, porém imperfeita. Embora nós tenhamos comprado alguns bons móveis, eles estão cobertos pelas marcas de mordida de quando o nosso cachorro era filhote. E nós ainda temos várias peças da Ikea que nunca conseguiram ser montadas exatamente como nos descrevia o manual.
Nós temos bancos pouco firmes que nós catamos no lixo do bar da vizinhança durante uma tempestade de neve e uma parede repleta de quadros que, não importa o que eu faça, jamais ficam pendurados numa posição certa. A vida real acontece por aqui: se a gente tem planos para o jantar ou prazos, os pratos se acumulam na pia e os parapeitos das janelas ficam cheios de poeira.
Se eu tivesse uma casa de boneca, não tenho dúvidas de que ela estaria sempre limpinha e bem organizada.
Quando eu disse ao meu namorado que queria uma casa de boneca, ele soltou uma risada nervosa, como era esperado. “Talvez você devesse esperar até que a gente tenha uma casa de verdade”, ele disse com alguma esperança. “Assim ela poderia ficar menos... visível”.
Eu entendi muito bem. Mas se eu tivesse uma casa de verdade, tenho certeza que meu desejo por uma casa de boneca não existiria. Talvez meu interesse tenha algo a ver com o fato de que eu tenha passado os meus 20 anos vivendo em não mais do que dois quartos por vez. Quando eu era pequena, minha casa de boneca me permitia imaginar uma vida adulta grandiosa e perfeita, na qual eu seria caseira sem precisar fazer esforços. Hoje a casa de boneca serve um propósito semelhante. Ela é como se fosse a minha versão particular de um campo de beisebol de brinquedo.
Cerca de um mês atrás, sem a desculpa da pesquisa para me defender, eu voltei a navegar pela BostonMiniatures.com. Pela primeira vez eu comprei alguma coisa: um peru servido numa bandeja de prata e um bolo de chocolate alemão do tamanho de uma moeda, decorado com flores de cerâmica cor-de-rosa.
Meu namorado entrou no quarto justamente na hora em que eu estava apertando o botão 'comprar’, e eu gritei “É para uma amiga!”, o que era verdade.
No dia seguinte eu comprei três sacolinhas, cada uma delas contendo chinelos, toalhas de praia e um chapéu de palha. Essas, embora tenham permanecido na minha mesa de trabalho durante semanas a fio, também foram compradas para presentear amigas. Eu sinto um êxtase estranho ao fazer essas compras e todas as vezes que eu as vejo, sinto-me feliz.
Quase todo mundo que leu meu novo livro comentou sobre a personagem de meia-idade que colecionava casas de boneca. “Que louca”, eles diziam. Ou “Que mulher controladora! Tentando criar perfeição mesmo que seja em pequena escala”.
Eu sorrio e aceno: eles têm razão. Mas, novamente, sei como ela se sente.
The New York Times
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