"Hoje em dia, com essa coisa de internet, as pessoas falam o que vem à cabeça", diz. "Se o artista olhar na internet, ele é odiado." O vídeo, curiosamente, não está aberto para comentários.
O que Chico Buarque descobriu é o cotidiano da rede: com a facilidade de serem anônimos e a sensação de fazerem parte de um grande grupo, usuários destilam seu ódio em fóruns, portais e redes sociais --são os "haters" (odientos).
O excesso de raiva pode ter consequências drásticas: recentemente, o jornalista Geneton Moraes Neto moveu uma ação na Justiça contra um usuário do Twitter que o acusou de plágio. Venceu, e o réu foi condenado.
A desindividuação, fenômeno psicológico estudado desde o fim do século 19, tem sido cada vez mais discutida. Psicólogos associam o ódio on-line à falta de estrutura familiar e afirmam que a internet escancarou as portas para o bullying.
AMEAÇAS DE MORTE
Aos 11 anos, Jessica Leonhardt --conhecida no YouTube como Jessi Slaughter-- buscava fama na internet. "Topo qualquer tipo de fama", disse ela em um de seus vídeos. A situação saiu do controle.
Jessica fez um vídeo recheado de palavrões e disse que as pessoas que falavam mal dela tinham apenas ciúmes, já que ela era "perfeita".
A garota e sua família receberam ameaças de morte, foram vítimas de pegadinhas por telefone, e a escola onde ela estudava recebeu um pacote que foi tomado como suspeita de bomba --não era nada, segundo o site Smoking Gun, que diz ter obtido os documentos policiais relacionados ao caso.
Jessica foi colocada sob proteção da polícia e, em seguida, enviada para uma clínica para tratar sua saúde mental --constatou-se que a garota tinha tendências suicidas.
O caso de Jessica deixou em evidência um ato recorrente na internet: o despejo de ódio e indignação.
BATALHA PERDIDA
A.A.S., moderador de comentários de um grande portal, que prefere não divulgar seu nome, considera o anonimato dos internautas um perigo. "Eles têm a 'segurança' de falar o que bem entendem sem sofrer nenhum tipo de retaliação", diz.
Mesmo os usuários identificados causam trabalho. "Já recebemos ameaças de mensagem para a presidência da empresa por termos deletado um comentário."
Para ele, há grande relação entre o "hater" e o usuário considerado "fanboy", apelido dado aos fãs de determinada marca que se esforçam para defendê-la e detratar as concorrentes.
Em tom melancólico, ele aponta que a batalha contra os "haters" que se escondem no anonimato está perdida. "Qualquer um pode criar um perfil falso. Tentar ter controle sobre isso não é fácil. É preciso mais investimento humano para fazer esse monitoramento", lamenta ele.
NADA A ESCONDER
Há também quem demonstre a indignação pela internet sem medo de revelar a identidade real. Em sites noticiosos, os comentaristas mais assíduos costumam ter um assunto preferido: política.
Um deles é o agente de viagens Ricado Kaffa, 46. Apesar do uso frequente de várias exclamações em sequência e de letras maiúsculas em seus comentários, ele ressalta que não usa o espaço só para expressar revolta. "Não é só indignação. Tem alegria também", afirma.
Kaffa conta que os comentários não agradam a algumas pessoas. "Vivem me denunciando, e mal uso palavras ofensivas." Apesar de comentar muito, ele é cético em relação ao impacto disso. "Não vou mudar o mundo com meus comentários."
O aposentado Antonio Carlos Wanderley, 60 anos, diz que comenta em vários jornais e blogs. Seu assunto preferido também é política. "Antes de começar a usar a internet, cheguei a comprar um fax para enviar opiniões a jornais e demonstrar minha indignação", diz.
Ele garante que a distância física não faz com que ele se sinta mais livre para dizer as suas opiniões. "Talvez eu consiga me expressar melhor escrevendo, mas fico à vontade de qualquer forma quando defendo um ponto de vista."
AMANDA DEMETRIO
LEONARDO LUÍS
DE SÃO PAULO
LEONARDO MARTINS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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