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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Juristas divergem sobre validade e constitucionalidade da 'ficha limpa'

Entidades dizem que, se sancionada até junho, lei vale neste ano.
Ex-ministro do TSE ouvido pelo G1 crê que aplicação ficará para 2012.


A validade do projeto de lei da "ficha limpa", que proíbe a candidatura de políticos condenados na segunda instância, é tema de divergência entre juristas consultados peloG1. Embora o texto indique que as novas regras entram em vigor na data da publicação, cada um interpreta de uma forma o prazo-limite da sanção para que a lei, se for aprovada, seja aplicada no pleito de outubro.
Outro ponto de discórdia é a constitucionalidade da lei, que poderia ferir o princípio de que qualquer cidadão só é considerado culpado quando não há mais possibilidade de recurso judicial.
O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados nesta terça (11) e já está no Senado, onde deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário - há possibilidade de ir direto ao plenário, mas ainda não há definição. Caso haja alguma alteração no texto, precisa voltar a ser analisado pelos deputados. Só depois é que o projeto vai à sanção do presidente da República e vira lei.
Entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmam que, se o texto foi sancionado até 9 de junho, vale ainda neste ano. Essa data é véspera do primeiro dia permitido pela Justiça Eleitoral para convenções partidárias que definirão os candidatos.
G1 ouviu um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um desembargador de Tribunal Regional Eleitoral (TRE), um ex-procurador eleitoral e um advogado especializado no tema. Cada um tem uma interpretação diferente a respeito de a partir de quando a lei começa a vigorar.
"Embora haja precedentes admitindo que a inelegibilidade não está sujeita ao artigo 16 (da Constituição), entendo que é uma alteração no processo eleitoral, porque isso (o processo) deve ser entendido de forma mais ampla. Por exemplo, algumas pessoas decidiram não deixar os cargos porque achavam que não deveriam disputar com fulano de tal. Mas a situação muda se fulano de tal não pode concorrer. Isso influencia, sim, no processo eleitoral", afirma o ex-ministro Fernando Neves.Para o ex-ministro do TSE Fernando Neves, a lei só deveria valer para as próximas eleições, uma vez que a Constituição prevê que quaisquer mudanças no processo eleitoral devem ser feitas pelo menos um ano antes do pleito. O artigo 16 da Constituição diz especificamente que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
Plenário da Câmara durante a votação do projeto ficha limpa, nesta terça (11)Plenário da Câmara durante a votação 
do projeto ficha limpa, nesta terça (11)
Já o vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN), desembargador Cláudio Santos, avalia que se a lei for publicada até o fim do prazo para Justiça Eleitoral avaliar os registros de candidaturas, 19 de agosto, vale ainda nestas eleições.
Ou seja, o juiz deveria, na opinião do desembargador, analisar cada caso individualmente conforme a lei em vigor na ocasião. "Do ponto de vista jurídico, a lei pode e deve ser aplicada imediatamente após a publicação, inclusive valendo para os eventuais pedidos de registros pendentes. Ou seja, se houver convenção e naturalmente o partido encaminhar os pedidos de registro - até o deferimento do registro pelo tribunal -, acredito que a lei pode ser aplicada para esta eleição", afirma Santos. Para ele, a inelegibilidade não tem a ver com o processo eleitoral.
A avaliação do advogado e ex-procurador eleitoral de São Paulo Antonio Carlos Mendes é de que se a sanção ocorrer até 30 de junho, prazo final das convenções que escolhem os candidatos, a lei valeria ainda para este ano.
"Existe determinação que lei que altera o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Mas penso que não se trata de alteração do processo eleitoral. Entendo que se for publicada até 30 de junho, promulgada, antes do período que inicia o registro das candidaturas, pode ser aplicada (em 2010)."
O advogado eleitoral Alberto Rollo concorda com a OAB sobre 10 de junho. "Entendo que se for aprovado antes do início das convenções, vale." Rollo acredita, porém, que a discussão deve chegar ao TSE. "Alguns partidos devem entrar nos TREs e o caso vai chegar ao TSE", avalia.Para Mendes, porém, é preciso esperar. "Não sabemos exatamente qual será o teor da lei, como vai sair do Senado." Os senadores podem alterar o texto para definir a partir de quando a lei vale.
Constitucionalidade
Rollo destaca, porém, que outro item da lei deve ser questionado: a constitucionalidade. Isso porque o artigo 5º da Constituição, que aborda os direitos e garantias fundamentais, afirma que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
"O próprio Supremo na ADFF 14 (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) já decidiu contra barrar candidaturas sem condenação transitada em julgado. Se alguém questionar a lei diretamente no STF, a lei da ficha limpa pode ser considerada inconstitucional."
A ADPF 144 foi votada em agosto de 2008, antes das eleições municipais. Na ocasião, o STF decidiu que não poderiam ser barradas candidaturas de políticos condenados na primeira instância por conta da presunção de inocência.
EficáciaPara o ex-ministro do TSE Fernando Neves, porém, a lei da ficha limpa não é inconstitucional. "Inelegibilidade não pressupõe culpa formada, não deve haver discussão sobre presunção da inocência. Pode haver inelegibilidade por parentesco, estar em cargo, falta de domicílio eleitoral ou filiação partidária. Causas que não têm nada a ver com condenação criminal."
Todos os juristas ouvidos pelo G1 concordam que há poucos políticos condenados por decisão colegiada e que um pequeno número de pessoas seria prejudicado com a lei da "ficha limpa". Mesmo assim, todos concordam que a condenação deve ser por grupo de juízes, e não por uma decisão monocrática (de um único magistrado), como garantia dos direitos individuais.
"No meu estado (RN), há casos de alguns ex-prefeitos condenados em segunda instância. Mas o número é muito baixo. Mas acho que a discussão não deve ser esta, mas sim a eficácia pedagógica da lei. Os políticos saberem que há outras consequências práticas para quem comete irregularidades", avalia o desembargador Cláudio Santos.

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