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domingo, 23 de outubro de 2011

O dilema das vítimas de violência sexual

NYT

Num centro de tratamento para vítimas de estupro, conheci uma paciente de 3 anos chamada Jessica, que fazia carinho num urso de pelúcia.

Jessica parecia doente e estava perdendo peso, mas não contava o que estava errado. Sua mãe a levou a uma clínica e o médico descobriu a verdade. Ela havia sido estuprada e estava com gonorreia.

Enquanto eu estava no corredor do centro, atordoado após o encontro com Jessica, uma menina de 4 anos foi trazida para tratamento. Também ela havia sido infectada por uma doença sexualmente transmissível durante o estupro.

Naquele dia no centro, também havia uma menina de 10 anos e outra de 12, ao lado de garotas mais velhas.
A violência sexual é uma crise de saúde pública em boa parte do mundo, e garotas e mulheres entre 15 e 44 anos têm maior chance de serem severamente agredidas ou mortas por homens do que por malária, câncer, guerra e acidentes de trânsito juntos, segundo um estudo de 2005. Essa violência continua sendo um problema significativo nos Estados Unidos, mas é particularmente predominante em países como Serra Leoa, Libéria ou Congo, que enfrentaram guerras civis. O padrão é que após a chegada da paz, os homens parem de atirar uns nos outros, mas continuam estuprando meninas e mulheres em níveis espantosos – e muitas vezes em idades espantosamente jovens.

NYT

O International Rescue Committee, que administra o centro aqui de Freetown, capital de Serra Leoa, afirma que 26 por cento das vítimas de estupro que atende têm 11 anos ou menos. Segundo a organização, em setembro um bebê de 10 meses foi trazido para tratamento após um estupro.

''As garotas estão sendo culpadas’', observou Amie Kandeh, uma heroica serra-leonesa que estudou nos Estados Unidos e cuida dos programas femininos para o International Rescue Committee (www.rescue.org). ''Se a menina é estuprada e tiver mais de 5 anos, então a culpa é da roupa dela. Mas tivemos uma menina de 2 meses e meio que foi violentada. A culpa foi de como a mãe colocou a fralda nela?'' O bebê de 2 meses e meio morreu de ferimentos internos provocados pelo estupro, disse Kandeh.

A luta contra a violência sexual será vencida ou perdida basicamente dentro de cada país, mas os Estados Unidos poderiam ajudar se o Congresso reapresentasse e aprovasse a Lei Internacional da Violência Contra a Mulher, que daria passos modestos para aumentar a visibilidade dessa violência. E os Estados Unidos podem afetar o trabalho se os republicanos conseguirem eliminar o financiamento para o Fundo de População das Nações Unidas, que opera em lugares como Serra Leoa para combater o estupro.

NYTEm última análise, a única forma de terminar a epidemia de violência sexual é dando cabo ao silêncio e impunidade, mandando os agressores à prisão, o que quase nunca acontece. Segundo Kandeh, os centros do International Rescue Committee atenderam mais de 9 mil pacientes desde 2003 – e menos de 0,5 por cento dos estupros resultaram em condenações criminais.

Na cidade de Kenema, localizada no leste e a um dia de viagem da capital, conheci uma garota de 13 anos, chamada TaJoe, que recebia tratamento por causa de um estupro – e cujo caso exemplifica por que as sobreviventes mantêm o silêncio.

TaJoe é uma aluna excelente da sétima série, a terceira melhor numa sala com 18 estudantes. Numa noite recente, ela precisou usar a casinha, que fica a alguma distância, e pediu para a irmã acompanhá-la. A irmã desdenhou e disse que ela ficaria bem. TaJoe foi sozinha e disse que, na volta, foi agarrada por um comerciante, jogada no chão e estuprada.

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Envergonhada e com medo, ela não contou para ninguém, mas desenvolveu uma doença sexualmente transmissível que causava febre alta. Ela parou de comer e a saúde declinou. Quando a família a levou à clínica, os médicos descobriram o problema e ela 'confessou’. O comerciante era suspeito de estuprar duas outras garotas da aldeia, mas também tinha diploma e era rico. Quando TaJoe o denunciou, a polícia agiu rapidamente. Eles prenderam TaJoe e sua mãe, acusando-as de difamar o nome de um membro respeitado da comunidade.

A polícia terminou por soltá-las, mas o episódio aterrorizou TaJoe. Enquanto isso, diz ela, o comerciante prometeu que se ficasse livre pagaria todas as suas futuras despesas educacionais – propina que lhe dá esperança de terminar os estudos e transformar sua vida.

Ao perguntar a TaJoe o que teria acontecido caso ela se mostrasse inflexível, ela me respondeu: ''Não quero saber de processo, não quero causar problemas’'.

Perguntei se o comerciante continuaria estuprando garotas. Apática, TaJoe respondeu que talvez ele tivesse aprendido sua lição. Ela sabe que seu bem-estar na aldeia – e, talvez, a esperança de uma carreira médica – dependem de seu silêncio.

''Meu medo é que prendam esse homem’', ela afirmou.

Então, não há esperança? Para minha surpresa, vi algum progresso, principalmente quando uma adolescente pediu minha ajuda para prender seu estuprador.

The New York Times

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