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sexta-feira, 8 de julho de 2011

O vaivém da memória

Pesquisadores sabem há muito tempo que o cérebro conecta todos os tipos de fatos novos, relacionados ou não, quando são descobertos ao mesmo tempo.

Assim como o gosto de um biscoito e chá pode começar uma cascata de memórias da infância, como em Proust, um pedaço relembrado de uma lição de casa de história pode trazer à mente um problema de matemática – ou uma nova sobremesa – da mesma noite.

Pela primeira vez, cientistas gravaram vestígios no cérebro desse tipo de memória contextual, o caleidoscópio em constante mudança de pensamentos e emoções, que cerca toda porção de informação recém-aprendida. As gravações, extraídas de pessoas aguardando a cirurgia para epilepsia, sugere que mesmo memórias de fatos abstratos – um verbo italiano, por exemplo – estão codificadas em uma sequência lançada de células cerebrais, que contêm também informações sobre o que mais estava acontecendo antes da memória se formar, seja um sonho tropical ou uma frustração com os Mets.

O novo estudo sugere que a memória é como um vídeo corrente que é marcado, consciente e inconscientemente, por fatos, cenas, personagens e pensamentos.

Especialistas alertaram que o relatório não se estende muito para revelar como memórias contextuais e diferentes interpretações interagem; algumas palavras podem lançar a mente em um devaneio vívido, enquanto outras não.

Contudo, o relatório oferece uma visão de como o cérebro situa memórias no tempo e no espaço.

“É uma demonstração dessa boa ideia que se tem remanescente de pensamentos prévios fumegando na cabeça e se relaciona à representação do que está acontecendo com cinzas apagando daqueles pensamentos antigos”, disse Ken Norman, neurocientista em Princeton, que não participou do estudo. “Acho que é uma evidência muito boa de que esse processo é crucial para marcar o tempo na memória”.

No novo estudo, que aparece na edição atual do jornal PNAS, médicos da Universidade da Pensilvânia e da Universidade Vanderbilt fizeram gravações por meio de pequenos eletrodos implantados nos cérebros de 69 pessoas com epilepsia severa. Os implantes são um procedimento padrão nesses casos, permitindo que médicos localizem os pontos de rápidos fluxos de atividade cerebral que causam convulsões epiléticas.

Os pacientes realizaram uma tarefa simples de memória. Eles assistiram a séries de palavras em uma tela de computador, uma após a outra, e depois de uma breve distração tentavam se lembrar do máximo de palavras que conseguiam, em qualquer ordem. Tentativas repetidas, com diferentes listas de palavras, mostraram um resultado previsível: os participantes tendiam a se lembrar de palavras em grupos, começando com uma e lembrando aquelas que estavam imediatamente antes ou depois.

Esse padrão, chamado pelos cientistas de efeito da contiguidade, é similar ao que acontece na concentração para um jogo de cartas no qual jogadores tentam identificar pares em uma rede de cartas viradas para baixo. Pares virados em horas próximas são lembrados conjuntamente.

Gravando dos eletrodos, os cientistas procuraram um padrão de disparo neural que tivesse uma assinatura bastante distinta – era atualizado continuamente como um painel de notícias. Eles encontraram um forte sinal no lóbulo temporal do cérebro, uma área que se estende entre o estreito espaço entre o lóbulo e a orelha. Quando participantes lembravam uma palavra – 'gato’, por exemplo – o padrão nessa região parecia idêntico ao momento em que 'gato’ era originalmente visualizado na tela de computador.

Além disso, o padrão foi discretamente diferente, quando eles se lembravam de palavras imediatamente antes ou depois, com 'gato’ na lista.

“Com isso, mostramos que, como efeito, a palavra antes de 'gato’ – digamos que seja 'árvore’ – coloriu ou influenciou a codificação para 'gato’, assim como 'gato’ influenciou a codificação da palavra seguinte, digamos que seja 'flor’”, disse Michael J. Kahana, neurocientista na Universidade da Pensilvânia e um dos autores do artigo. Seus coautores foram Jeremy R.

Manning, Dr. Gordon Baltuch e Dr. Brian Litt, todos da Pensilvânia; e Sean M. Polyn, da Vanderbilt.

A forma como o processo funciona, dizem os autores, é algo como reconstruir as atividades de uma noite após uma ressaca: recordar um fato (uma mesa quebrada) lembra uma cena (dançar), que por si traz mais fatos à mente – como as outras pessoas que estavam lá – e por aí em diante. O mais certo no estudo é que as pessoas cujos sinais neurais de atualização eram os mais fortes mostravam o padrão mais notável de lembrar palavras em grupos.

“Quando se ativa uma memória, se está reativando um pouco do que estava acontecendo em volta no momento em que a memória foi formada”, disse Kahana, “e esse processo é o que dá a sensação de viajar no tempo”.

The New York Times News Service/Syndicate

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